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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O Poeta e Eu

               Tempos atrás, pesquisando no Google, à procura de mais detalhes sobre o grande poeta/trovador Durval Mendonça, de quem temos tão poucas informações, surpreendi-me com a leitura de um texto, em um blog matogrossense, em que uma musa falava de sua mágica convivência com o poeta Durval, (que um dia fora privado da visão) durante a presença do poeta nos primeiros Jogos Florais de Corumbá, em 1968 e 1972.

               O texto, porém, não tinha o nome da “musa”; só vinha escrito: 
O POETA E EU
11/11/2004
               Aquilo me intrigou. Procurei contato com o blog mas ninguém respondeu. Tempos depois o mesmo saiu do ar e, não fora eu ter salvado em arquivo o referido texto, tudo teria se perdido. Agora, no início de 2012, tive a ideia de contatar o poeta/trovador Benedito Carlos Gonçalves de Lima, de Corumbá, e perguntei-lhe se sabia quem foi a musa dos II Jogos Florais de Corumbá e seu endereço, ou email ou telefone, qualquer coisa.
               Para minha agradabilíssima surpresa, o poeta não só sabia como é amigo dela. Após isto, bastou um email e pronto: estava elucidado o “mistério”.
               Confesso que me emocionei demais com o relato da Beatriz (agora eu sei que é Beatriz) e tenho certeza que os poetas e, principalmente, os que conheceram Durval Mendonça, hão de se emocionar mais ainda.
               Boa leitura a todos!
                 JOSÉ OUVERNEY
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O POETA E EU
texto de:  Beatriz Xavier Flandoli / Corumbá/MS
 
            Tenho o privilégio de ter vivido grandes amores – amores intensos, mágicos, fantásticos. Poesia e Pessoas. Um desses amores uniu as duas coisas.
            Tinha 12 anos quando o conheci. Ele, 62. Era poeta. E cego. Isso foi em 1968. Naquela época, em minha cidade, havia cursos de declamação. Na qualidade de “aluna de poesia”, conhecia seus poemas, suas trovas, sabia que era um poeta premiado inclusive internacionalmente em países de língua portuguesa e, portanto, já o admirava entre outros que aportavam em nossa longínqua cidade durante os “Jogos Florais”.
           Os Jogos Florais eram concursos de trovas realizados com muito entusiasmo e eram um acontecimento cultural que movimentava a cidade. Aluna dedicada, pude acompanhar de perto toda a programação dos primeiros Jogos e seguir como uma sombra aquele homem magro, alto e brilhante que iluminava e encantava a todos com seu fino senso de humor. Todas as vezes que ele sentia que eu estava por perto, sorria amavelmente e perguntava: “Ah, você ainda está aqui?”. Instigava-me a dizer poesias e me deixou absolutamente encantada.
            Quatro anos depois aconteceram os segundos Jogos Florais, em que fui eleita musa, o que me deixava na confortável posição de extrair poesia e encantamento de autores que já conhecia e admirava. Iniciei, então, uma amizade com Durval Mendonça que durou uma existência. Comecei a escrever para ele e tivemos longos anos de encantamento poético por correspondência. Também tive o privilégio de ter, dali em diante, todas as fases de minha vida, que relatava a ele nas cartas, registradas com poesia.
            Primeiramente, trovas brincalhonas, num jogo de sedução platônico encantador, ao qual permitíamos nos entregar, protegidos e separados em nossos castelos a uma distância de dois mil quilômetros e cinquenta anos:
“Pelas fugas caprichosas
dos meus beijos e carinhos
mandei um buquê de rosas
à musa dos meus espinhos.”
            Ou também trovas mais líricas:
“Nos teus olhos encantados
Como dois lagos azuis
Os meus, sedentos, coitados,
Pedem promessas de luz.”
            Os presentes do poeta, obviamente, eram poéticos. Mandava, de avião, rosas e bombons. Bombons finíssimos, de que nunca pude sequer imaginar a aparência, chegavam em Corumbá totalmente derretidos pelo calor causticante. Detalhe omitido ao remetente.
            Costumávamos passar horas das tardes de sábado ao telefone. Ele no Rio, eu em Corumbá. Tenho as cartas dele, datilografadas e assinadas; tenho as poesias. Mas infelizmente não consigo me lembrar o que podíamos conversar tanto ao telefone e não tenho ideia do que poderia eu escrever naquela idade em que se tem tão pouca consistência.
            Em uma visita da família ao Rio, fez questão de nos receber em sua casa para saborear uma feijoada, providenciada pela Tiana, a fiel secretária de décadas, que lia a correspondência. Em duas das ocasiões que veio a nossa cidade, ficou hospedado em casa de meus pais e pude dispor de dias inteiros para sugar sua alma de poeta, para aprender, para sorver sua poesia e me encantar.
            Sabia brigar lindamente quando, por força e hábito da juventude, eu o abandonava temporariamente e diminuía a frequência das cartas. Assim, ao começar um namoro, deixei de escrever-lhe por um ou dois meses e recebi o seguinte telegrama:
“Na solidão, companheiro,
De uma vida quase morta
Nem mesmo o velho carteiro
Vem bater à minha porta.” 
            E assim, de trova em trova, de soneto em soneto, acompanhou-me as fases da vida. Fez poesia para meu noivado, para meu casamento, do qual foi padrinho, e me presenteou, além de poemas, com um par de cisnes de prata e cristal e uma joia de ouro maciço: uma libra esterlina incrustada em um sol. O nascimento de meu primeiro filho foi homenageado com o mais lindo álbum de bebê que já vi e o soneto “A um Pequenino Rei”:
“Chegaste à vida envolto na ternura
e na alegria de um amor bendito
veio contigo essa presença pura
que Deus te deu nos longes do infinito...” 
            Na segunda gestação, descrevi por carta as sensações de plenitude que a gravidez me conferia, ao que respondeu com um soneto encantando o ser que se formava em mim:
 “És pedaço de céu dentro de alguém,
de alguém que vive por querer-te bem
e que por ti constantemente pede...” 
            Quando minha filha nasceu, ganhou outro poema, já com seu nome: “Mariana”:
 “Teu nome é Mariana e diviniza
as horas por passar e já passadas
porque Maria, quando a terra pisa,
é para impor-ter as mãos abençoadas...” 
            e termina:
“ternura e sonho em lírica mistura,
a inspiração mais elevada e pura
que a gente pede a Deus e Deus concede” 
            Ambos foram publicados em seu livro Íntimo Universo.
            Doce Durval, quanto dele ficou em mim... Quanta construção se constituiu através de sua cultura e de sua poesia. Com ele aprendi a amar Fernando Pessoa e entender Augusto dos Anjos.
            Muitos anos se passaram desde o último sábado em que nos falamos ao telefone. Já estava cansado, e quase todas as notícias que pude dar foram de perdas. Muitos dos amigos que ele conquistara em nossa cidade, inclusive meu pai, já haviam partido e a emoção não permitiu que nos falássemos mais.
            Nunca mais liguei para aquele número e, covarde, não procurei mais notícias. Nem sei onde está agora. Se ainda habita aquela casa em Botafogo, ou se mudou de bairro, de cidade, de país, de dimensão.
            Permanece presença em minha vida. Muito aprendi com seu senso de realidade e humor. Hoje tenho consciência e me alegro pela dádiva de tê-lo conhecido.
            Querido poeta: quantas doces lembranças! Escrevo para agradecer o encantamento que sua presença provocou em minha vida e reviver com ternura sua memória e sua poesia. Escrevo para compartilhar esse afeto e oferecer aos eventuais leitores algumas das preciosidades em trova guardadas na memória para sempre.
“Andando por entre escombros                     “Esperança que arrebatas
Dos meus sonhos, os mais belos,                  prometendo o que não dás;
Vou levando sobre os ombros                       Ai de mim! Sei que me matas
As pedras dos meus castelos.”                      Mas não quero que te vás...” 
“Ao beijar a tua mão                                     “Vejo agora e vejo triste
Que o destino não me deu                             Como fui tolo no teste.
Tenho a estranha sensação                            Dei-te tudo que pediste
De estar roubando o que é meu.”                  Pelo instante que não deste.”
“Suave perfume de ajedras                           “Poças que o mar faz na areia,
Luar... teus lábios... quietude...                     Ao vê-las paro e medito
Meu Deus do céu! Quantas pedras                Nessa humildade tão cheia
No caminho da virtude.”                               Das estrelas do infinito!”
“A gente vê a poesia                                      “A vida é um pouco de pó
Mais natural e mais pura                               Igualzinho ao pó da estrada
Quando a rês, lambendo a cria                      Que o tempo, frio e sem dó,
Dá-lhe um banho de ternura.”                       Num sopro transforma em nada.”
“Naqueles tempos de antanho,                      Perdão, Senhor, se não pude
De escribas e fariseus                                               Perdoar quem me ofendeu.
Um homem do meu tamanho                                    A vida tornou-me rude.
Tinha o tamanho de Deus.”                           Perfeito és Tu e não eu!”

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