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quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

A Trova no Folclore

A TROVA NO FOLCLORE
"Há trovas que o povo canta,
outras que o povo esqueceu.
O povo traz na garganta
o canto que tem por seu"!
José Coutinho de Oliveira
1. Afinal, o que é Trova?
Sempre que participo de qualquer atividade envolvendo a Trova, seja como palestrante, oficineiro ou coisa parecida, minha primeira pergunta aos participantes é:
- Vocês sabem o que é uma trova?
A resposta, na maioria das vezes, é: - Não. Mudo de estratégia e indago:
- Alguém entre vocês conhece uns versos que dizem: “Batatinha quando nasce...”
É o bastante para a platéia, em uníssono, completar os três versos restante da trova mais popular do Brasil:
“Batatinha quando nasce,
esparrama pelo chão.
A menina quando dorme,
põe a mão no coração”.
Em seguida inicio outra trova não menos popular recitando:
“Quando eu era pequenino”... obtendo igual reação dos presentes que, a partir daí, não só ficam sabendo o que é uma trova como até recitam outras que sabem de memória.
Esse aparente desconhecimento, por parte do povo, do que seja uma trova, decorre do fato da quadra setissilábica, isto é, da composição de quatro versos fixos se sete sílabas fônicas ou poéticas, rimados entre si e de sentido completo, só receber a denominação específica de “trova” no Brasil. E mesmo assim de uso relativamente recente, já que foi a partir de 1903, com a publicação em Portugal do livro “Mil Trovas Populares Portuguesas”, com grande repercussão no Brasil, que o termo popularizou-se entre nós, adotado principalmente pelos trovadores autênticos, ou seja, pelos cultores da trova intencional ou literária.
No mundo hispânico a mesma quadra recebe várias denominações tais como: copla, cantar, cuarteta, cantiga, canto, cante, etc. Em Portugal, de onde ela embarcou com os primeiros colonizadores, continua sendo chamada de quadra popular ou simplesmente quadrinha.
No nosso caso e para os nossos propósitos, entendamos por trova a definição adotada pala União Brasileira de Trovadores, assim enunciada: “Composição poética de quatro versos setissilábicos, rimando, pelo menos, o 2º com o 4º verso e tendo sentido completo”. Exemplo:
“Lá vai a garça voando
com as penas que Deus lhe deu.
Contando pena por pena,
bem mais penas tenho eu”.
2. Antiguidade e Permanência da Trova
A trova, ou como quer que seja chamada a quadra setissilábica de sentido completo, vem sendo composta e repetida pelo povo há, pelo menos, mil anos. Anterior, portanto, às modernas línguas neolatinas. A grande dificuldade para quem a estuda é a falta de documentação, de coletas no seio do povo, já que a produção literária de cunho popular foi e continua sendo, salvo raras exceções, considerada inferior e indigna de registro. Desse modo, vestígios de sua existência em tempos remotos nos foram transmitidos indiretamente através de obras literárias, do teatro e de velhas canções.
Em 1812/15, os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm publica- ram uma coletânea de contos populares alemães, revelando ao mundo a imensa riqueza contida nos contos, cantos e arte em geral guardada pela memória coletiva. A partir daí o interesse pela trova e por outras manifestações populares chamaram a atenção de estudiosos que passaram a ocupar-se do assunto, surgindo, assim, não apenas o termo “folclore”, criado pelo antiquário inglês W.J. Thoms, em 1846, reunindo as raízes saxônicas folk, (povo) e lore, (saber), para designar a sabedoria popular, como o próprio surgimento de uma nova ciência.
O primeiro levantamento de trovas folclóricas que se tem notícia, foi realizado na Espanha em 1859 por Fernan Caballero, pseudônimo de Cecília Bohl de Faber Larrea, denominado “Cuentos y Poesias Populares Andaluces”. Em 1867 vem à luz a primeira coletânea de trovas populares portuguesas, o “cancioneiro Popular”, realizada por Teófilo Braga que além de publicar, em 1869,“Cantos Populares
do Arquipélago Açoriano” contribuiu com a publicação da nossa primeira coletânea de trovas folclóricas, organizada por Silvio Romero e editada em Portugal no ano de 1883. Daí em diante multiplicaram-se os cancioneiros populares trazendo em suas páginas milhares de trovas populares colhidas no meio do povo, tanto no Brasil quanto em Portugal e em outros países do mundo hispânico.
3. A trova, gênero popular por excelência
“Quem conta um conto, aumenta um ponto”, reza o dito popular. Às vezes aumenta, outras vezes diminui. Esta é a sina das manifestações populares transmitidas oralmente através das gerações. E o que ocorre com o conto popular e com as cantigas de roda que ganham cores e sotaques diversos no tempo e no espaço, acontece, também, com a trova. Vejamos o caso desta que em menino escutei do meu avô José Abdon, no município de Afuá, ilha do Marajó:
“Atravessei sete baías
em cima de uma tigela
arriscando minha vida
por causa de uma donzela.”
Em 1998 fui encontrá-la num ”varal de trovas” realizado por alunos da escola municipal Walter Leite Caminha, no bairro do Benguí, com pequenas modificações. Assim:
“Passei por sete baías
no fundo de uma colher
arriscando minha vida
por causa de uma mulher.”
Um ano depois, quando ministrava oficina de literatura na escola municipal Solerno Moreira, no bairro da Terra Firme, a encontrei no caderno de um estudante com esta grafia:
“Atravessei sete baías
agarrado num barbante
arriscando minha vida
por causa de uma estudante.”
Após quase meio século da versão dita pelo meu avô, às margens do Cajari, e as versões escritas pelos garotos da perife- ria de Belém, percebe-se pequenas mudanças ocorridas no primeiro e no segundo versos, mantendo-se inalterado o terceiro e trocando a última palavra do quarto que passou de donzela para mulher e, finalmente, para estudante, termo mais adequado ao universo estudantil. Aí cabe a pergunta: onde, quando e por quem ela foi escrita pela primeira vez? Seria, na sua origem, brasileira, portuguesa, espanhola? Essas perguntas certamente não terão respostas. São justamente essas interrogações e a maneira como chegaram até nós que tornam uma trova popular, que a credenciam como “trova folclórica” por atender, de imediato, dois componentes básicos: a transmissão oral e a intencionalidade.
O fenômeno de popularização de uma trova se dá por vários fatores. Um deles é o fato dela ser composta em versos de sete fonemas, os setissílabos ou redondilhos, encontrados fartamente nas composições populares como nos adágios e nas expressões populares, rifões e frases feitas do tipo:
"Água mole em pedra dura,
tanto bate até que fura".
“Valei-me, Nossa Senhora!”
“Minha vida é um livro aberto.”
A rima é outro componente que facilita a memorização e tão popular quanto o redondilho, muito utilizado em atos públicos como passeatas e competições esportivas, senão vejamos:
“Um, dois, três,
tal time é freguês!”
“O povo, unido,
jamais será vencido!”
O número de versos, apenas quatro, condensando uma idéia acabada, também é outro fator para ser levado em conta. Isso sem falar na mensagem e na linguagem simples, coloquial, sem rebuscamentos. Já o anonimato decorre do fato de quem diz uma trova, ou outra composição qualquer, raramente declina do nome do autor. Muitas vezes por desconhecimento da autoria, outras vezes por esquecimento ou propositalmente para que a tenham como obra sua. Eu mesmo já ouvi pessoas dizendo trovas de minha autoria com pequenas alterações e sem que meu nome fosse citado, fato que não me aborrece nem me preocupa por saber que este é o destino comum de todas as trovas: perder a autoria quando cai na boca do povo.
4. Características da trova folclórica
As trovas populares ou folclóricas, pelo fato de serem transmitidas oralmente, muitas vezes por pessoas que desconhecem técnicas de versificação e rima, apresentam imperfeições nem sempre percebidas por ouvidos pouco atentos a esses detalhes.
a)Esquema de rimas simples: apenas o segundo verso rimando com o quarto:
“Eu estou de mal contigo,
nunca mais quero te ver
e os beijos que tu me deste,
eu quero te devolver!”
b)Rimas imperfeitas: exemplo: rimar, ao mesmo tempo, palavras no plural e no singular:
“Napoleão com sua espada
conquistou sete nações
e você, com seu jeitinho,
conquistou meu coração.”
c) Versos com mais ou menos de sete sílabas fônicas:
“A flor pra ser bonita - (6 sílabas)
não precisa de duas cores - (8 sílabas)
o homem pra ser feliz - (6 sílabas )
não precisa de dois amores.” – (8 sílabas)
4 . Trovas bipartidas, isto é, a ideia dos versos iniciais não corresponde com a dos versos finais. Exemplo:
“Lá vem a lua saindo
por detrás da samaúma;
tanta morena bonita,
minha rede sem nenhuma...”
5. A Trova nas manifestações populares
A trova, como já foi dito, está presente num grande número de manifestações folclóricas.Assim é que a encontramos nas brincadeiras de roda:
“Ciranda cirandinha
vamos todos cirandar,
vamos dar a meia volta,
volta e meia vamos dar.”
Nas adivinhas:
“Fazendo muito espaçosa
cheia de gato miúdo;
a dona é moça formosa
e o dono é homem sisudo.”
Nos trava-línguas:
Se o Papa papasse papa,
se o Papa papasse pão,
o Papa papava tudo,
seria um Papa papão.”
Seria cansativo, senão impossível enumerar todas as manifestações populares onde a trova se faz presente, dos folguedos às festas religiosas, da culinária à medicina popular, das sátiras políticas aos registros históricos, como nesta trova que ouvi do meu avô sobre a guerra do Paraguai:
“A ponte de Itororó
é cheia de geringonça:
jacaré é cumê de nêgo,
e nêgo é cumê de onça.”
Entre as satíricas, lembro desta muito conhecida sobre o ex-governador do Rio de Janeiro, Ademar de Barros:
“Adão foi feito de barro,
de barro bom e batuta
mas esse Ademar de barros,
ó barro filho da puta!”
6. A Trova no folclore secreto
Há trovas que já nascem anônimas pela própria natureza, isto é, pela maneira como são escritas e ao que se propõem. O tipo mais comum são as chamadas “trovas de latrina” escritas nas paredes dos banheiros públicos do mundo inteiro. Esse tipo de trova mereceu pesquisa de Eno Teodoro Wanke, estudioso do gênero, resultando, após anos de coletas em vários países, na publicação do livro “Neste Lugar Solitário”, título que outra coisa não é senão o primeiro verso da trova mais conhecida no gênero:
“Neste lugar solitário
onde a vaidade se apaga,
todo covarde faz força,
todo valente se caga.”
Na parede de um mictório cuja água, destinada à limpeza dos recipientes, era lançada por um cano de ferro com pequenos orifícios mas que devido ao desgaste dos mesmos, acabava molhando os usuários, o escritor Humberto de Campos colheu esta pérola:
“Isto não é mictório,
isto é uma coisa indecente:
a gente não mija nele,
ele é que mija na gente!”
Quando estudante de filosofia na Universidade Federal do Pará, encontrei na parede de um sanitário do Básico I, esta versão de uma das trovas mais populares no gênero e que pelo emprego do “cá” em vez do “aqui”, parece ser uma versão portuguesa. Ei-la:
“Todos cagam cá na Terra,
cagar é lei do universo;
cagou Dom Pedro na guerra
e eu caguei neste verso.”
Outro tipo muito popular são as chamadas “versalhadas”, composições em quadras, manuscritas ou datilografadas sem autoria e que circulam de mão em mão até praticamente desfazerem-se pelo manuseio. Entre as mais conhecidas estão as comparações entre o rico e o pobre e os horóscopos em versões homem x mulher. Aqui, algumas dessas quadras mais “comportadas”:
Rico correndo, é atleta,
pobre correndo, é ladrão;
ovo de rico é testículo,
ovo de pobre, é culhão.
Casa de rico é palácio,
casa de pobre é maloca.
Piroca de rico, é pênis,
pênis de pobre, é piroca.
( Do livro: A Trova no Brasil, no Pará e no Folclore, edições Papachibé, Belém.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Homenagem a MTC no Jornal Linguagem Viva


MTC e Eu... A história continua...


MARIA THEREZA CAVALHEIRO teve presença marcante em minha carreira poética.
Comecei a fazer trovas em grande parte inspirado pelas trovas que ela publicava em uma coluna de jornal que eu, morando no Paraná, no final da década de 60, recortava e colecionava.
Realizei meu sonho de conhecê-la quando, morando em São Paulo, vi um anúncio sobre o lançamento de seu livro “Estrelas e Vaga-Lumes”, em 1988. Fui ao lançamento, identifiquei-me e a partir dali nos tornamos grandes amigos. Ela prestigiou meu trabalho em várias ocasiões e de diversas maneiras: Incluiu uma trova minha em seu livro “Segredos do Bom Trovar” lançado em 1989; deu grande publicidade a algumas de minhas trovas por publicá-las nos adesivos das famosas Gotas de Pinho Alabarda; incluiu trovas minhas regularmente em sua coluna “Trovas” no jornal O Radar, de Apucarana, e por diversas vezes tive o privilégio de ser o trovador em foco na mesma coluna. 
Eu achava que nunca teria a oportunidade de retribuir tudo o que ela fez por mim. Mas ela veio em agosto de 2011. Ao saber que ela foi a fundadora e primeira presidente da União Brasileira de Trovadores, Seção São Paulo, e intrigado pela falta de reconhecimento do seu trabalho pela entidade, da qual eu fazia parte, puxei um fio e, como num passe de mágica, uma história fascinante e, sabe se lá por que, ocultada da maioria dos trovadores, caiu em minhas mãos. MTC e sua prima e fiel companheira de uma vida, Amaryllis, fizeram de mim o fiel depositário de seu rico acervo de fotos, documentos e recortes de jornais, bem como informações valiosas de como tudo aconteceu. 
Dar a conhecer sua verdadeira história, com grande repercussão no meio trovadoresco, na época, foi uma das coisas mais gratificantes que já fiz, em especial por constatar o grande bem que esse resgate fez a elas. Convido os trovadores atuais que não tomaram conhecimento da matéria a fazer isso. Leiam a publicação que fiz no meu blog, no link:
https://vivatrova.blogspot.com/2011/07/fundacao-da-ubt-sp-resgatando-historia.html


A conclusão dessa bonita história de amizade entre eu e MTC não poderia ser mais emocionante!

Sempre tive em mente que se algum dia pudesse realizar o sonho de publicar um livro, MTC tinha que fazer parte dele. 
Finalmente, em outubro de 2018, publiquei meu livro de poesias “Resgatando Auroras”.
Através da Amaryllis, pedi que MTC apreciasse o conteúdo e escrevesse um texto de apresentação. 
Ela já estava muito debilitada por uma doença degenerativa, mesmo assim ditou o texto para a Amaryllis. 

Foi o último texto que ela produziu. Uma semana depois, MTC adormeceu na morte. Para mim, seu texto em meu livro é uma preciosidade inestimável! 

Mas não ficou nisso... 
A editora do jornal O Radar aguardava sua matéria mensal para publicação. Com minha aprovação, Amaryllis enviou a eles o texto que MTC fez para o livro, que assim ficou sendo também o texto de despedida da coluna que manteve por mais de quarenta anos, através da qual divulgou e prestigiou o trabalho de inúmeros poetas que, assim como eu, guardarão para sempre na lembrança a figura dessa mulher encantadora que de forma despretensiosa e altruísta, dedicou sua vida em promover a trova e os trovadores!

sábado, 18 de março de 2017

Os Trovadores do Campo no Radar



Maria Thereza Cavalheiro publica no jornal Radar de Apucarana, a coluna "Trovas", desde 1977, ou seja, por 40 anos. É a publicação trovística campeã absoluta de longevidade.
Nessa adição os homenageados são "Os Trovadores do Campo", dupla sertaneja
composta pelos trovadores Campos Sales e Pedro Ornellas.


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Trovador e o que mais? José Valdez de Castro Moura

Presidente da União Brasileira de Trovadores, seção Pindamonhangaba.
Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal do Maranhão (1974), Mestrado em Saúde Pública Materno Infantil pela Universidade de São Paulo (1992) e Doutorado em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (1996). Atualmente é Professor Doutor da Universidade de Taubaté. Professor Convidado em 2013 da Universidade Paris IV -Sorbonne .Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Adolescência, atuando principalmente nos seguintes temas: adolescência, pediatria, gravidez, adolescência e concurso literário.
Escritor e Poeta laureado em dezenas de Concursos Literários, pertence às Academias Pindamonhangabense de Letras,Taubateana de Letras,Limoeirense de Letras e Paulista de Jornalismo.
Ingressou na trova no ano 2000 e desde então tem atuado de forma dinâmica na produção e promoção da trova.
Coleciona muitas láureas e premiações por sua atuação tanto na medicina como na produção literária.
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Informações coletadas do Lattes em 10/01/2017
Mais informações: www.escavador.com


terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Antônio Roberto - Um poeta inesquecível!

Campos
“Não sou nascido aqui, planície amada,
mas é como aqui nascido fosse,
pois tenho a minha alma impregnada
da brisa que te beija na alvorada,
e do seu cheiro refrescante e doce.”

Nasceu na cidade de São Fidélis (RJ), em 31 de maio de 1945, e faleceu aos 20 de novembro de 2008, em Campos dos Goytacazes.
Filho de Anleifer Leite Fernandes e Djanira Carvalho. Primogênito de uma família de oito irmãos. Aprendeu a ler em casa com o pai. Aos sete anos entrou para escola no interior de São Fidélis, mas, como era adiantado em relação aos colegas de classe, foi transferido para Escola Barão de Macaúbas no Centro da mesma cidade. Cursou o ensino fundamental e médio em sua cidade natal. Após passar no vestibular para a Faculdade de Medicina, mudou-se para Campos. Não exerceu a medicina porque passou num concurso e assumiu a postura de bancário para ajudar na criação dos irmãos.
Poeta, trovador e escritor, Antônio Roberto foi membro da Academia Fidelense de Letras, da Academia Pedralva Letras e Artes, da Academia Campista de Letras e representante da União Brasileira de Trovadores (UBT) em Campos. Fundou a Academia Infantil de Letras de São Fidélis. Grande idealizador do Café Literário, em Campos. Figura cativa dos eventos da Fundação Municipal Trianon, como o projeto “Choro e Cia” e o “Grupo Boa Noite Amor”, brindou o público com seu tradicional intervalo poético. Exerceu diversas atividades públicas: foi diretor da Biblioteca Municipal de São Fidélis, da Biblioteca Municipal Nilo Peçanha e do Departamento de Literatura da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima em Campos.

Obra:
'Poesia, doce Poesia' – 1978
'Substantivo abstrato' - 
'Uma semana de sonetos' – 1993
'Os pratos da vovó' – 2001
'Potoc Potoc' -
'A verve da saudade – Tributo a Antonio Roberto' (vários autores)  1ª ed. - 2009

'A verve da saudade – Tributo a Antonio Roberto' (vários autores)  2ª ed. – 2009


Seu mais famoso soneto, uma obra prima!

OS PRATOS DA VOVÓ

A minha avó guardava, com alegria,
muitos pratos, lindíssimos, de louça
que ganhou de presente, quando moça.
e que esperava usar – quem sabe? – um dia

Mas a vida passava tão insossa
e nada de importante acontecia
e ninguém pra jantar aparecia
que compensasse abrir o guarda-louça.

Vovó morreu. Dos pratos coloridos
que hoje estão quebrados e perdidos
ela jamais usou sequer um só...

Assim também meus sonhos, tão guardados,
terão, por nunca serem realizados,
o mesmo fim dos pratos de vovó.

(compilado do blog Poetas Campistas)
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Eu: Tive o privilégio de conhecer Antônio Roberto, em junho de 2007, quando convidou minha dupla, Campos Sales e Pedro Ornellas "Os Trovadores do Campo"

para se apresentar na festa de premiação do concurso poético que promovia, em Campos. Figura ímpar, amado por todos. Logo cedo, ele nos levou a visitar as rádios de Campos. Chegava de improviso, no meio da programação, todos o recebiam com alegria, ele nos apresentava com elogios por demais generosos. E todos abriam um espaço para registrar nossa presença e tocar uma faixa do nosso CD. Também nos levou a conhecer de cabo a rabo o inesquecível jornal Monitor Campista. Vale dizer que todos os dias o jornal estampava uma trova de Antônio Roberto, em destaque, no cabeçalho.
Através dele, conheci a fabulosa jornalista e escritora Patrícia Bueno. Ela fez reportagem de página inteira com a gente no jornal e a partir dali, nos tornamos grandes amigos.
Antônio Roberto, poeta amigo sempre será uma lembrança marcante em minha memória.


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

A Trova no Pará

Texto de Antônio Juraci Siqueira


Para início de prosa, o que foi dito sobre a introdução da trova no Brasil aplica-se, também, no caso do Pará, ou seja: também é herança portuguesa, com certeza, que aqui ganhou cores e sotaques marajoaras e é encontrada fartamente nas manifestações populares, quer como letra de músicas folclóricas, quer como quadra solta usada nos desafios da “desfeiteira” ou no “jogo de versos”. Além disso muitos poetas paraenses a compuseram com mestria, entre estes podemos citar De Campos Ribeiro, Jaques Flores, Rodrigues Pinagé e Antonio Tavernard. Desse último, lembro-me desta bem ao seu estilo:
Sol doente, sol de Agosto,
morrendo como uma flor.
Eu também sou um sol-posto
no ocaso da minha dor.
Entre os intelectuais que difundiram da trova no Pará merece destaque o estudioso José Coutinho de Oliveira (1887 – 1965) por sua contribuição tanto no cultivo quanto na divulgação da trova através da imprensa. Folclorista e fundador da Comissão Paraense de Folclore, entidade que presidiu por vários anos, José Coutinho de Oliveira deixou, entre suas obras inéditas, “TROVAS E CANTIGAS”, coletânea de trovas populares colhidas no meio popular, além de haver publicado, por vários anos, no jornal A Província do Pará, as colunas: “Trovário da Saudade” e “Trovas Amazônicas” onde, ao lado de trovas de autores diversos e trovas populares anônimas, publicava composições de sua lavra, como esta, por exemplo:
Muita gente, ao longe, é tida
como um sol em céu escampo,
mas quando vista de perto,
não passa de um pirilampo.
Na revista “Voz de Nazaré” publicou, por algum tempo, “Trovas Evangélicas” tendo, ainda, colaborado com várias revistas e jornais de Belém e de outras localidades, além de manter correspondências com intelectuais da época, entre eles o grande folclorista Luiz da Câmara Cascudo e Luiz Otávio, fundador da União Brasileira de Trovadores. Faleceu em Belém no dia 6 de Junho de 1965, um ano antes da fundação da UBT.
Com a fundação da União Brasileira de Trovadores em 21 de Agosto de 1966, foram nomeados coordenadores regionais e delegados municipais em todo o Brasil, ficando o trovador Pedro Tupinambá como coordenador da região Norte e o poeta e cronista Georgenor Franco como delegado em Belém. Mais tarde as coordenadorias foram substituídas pelas assessorias, tendo o cearense Santiago Vasques Filho assumido a Assessoria do Norte-Nordeste e Pedro Tupinambá substituído Georgenor Franco na delegacia de Belém. Foram criadas, ainda, delegacias nos municípios de Alenquer e Santarém, sendo delegados, respectivamente, Antonio Aldo Arrais e Orlando Borba.
Em 1969, Pedro Tupinambá, acadêmico, folclorista e Coronel Médico da Aeronáutica, iniciou a publicação da coluna dominical “No Mundo da Trova”, em “A Província do Pará” mantendo-a, ininterruptamente, por 21 anos, prestando, com isso, inestimável serviço à trova e aos trovadores que, após a morte de José Coutinho de Oliveira, passaram a ter, novamen- te, um espaço para a divulgação da trova e informações sobre os concursos e jogos florais.
Em 1984, estando eu participando do encerramento dos VIII Jogos Florais de Fortaleza como um dos vencedores desse certame, conheci o assessor da UBT para o Norte-Nordeste, poeta Santiago Vasques Filho que após falar de seu projeto para a expansão da UBT no Norte e Nordeste, ofereceu-me a Delegacia de Belém, em substituição a Pedro Tupinambá, com a expressa missão de fundar a primeira seção da UBT no Norte do Brasil, proposta por mim recusada na mesma hora.
Vasques Filho, contudo, voltou a escrever-me sobre o assunto, argumentando que após a fundação da UBT-Belém, Pedro Tupinambá seria nomeado presidente de honra pelos serviços prestados à trova e aos trovadores. Após várias investidas, contando, inclusive, com a aprovação do presidente nacional da UBT, Carlos Guimarães e o apoio de vários trovadores, entre eles o presidente da UBT-Fortaleza, Fernando Câncio, acabei nomeado no dia 4 de Dezembro de 1985, fato que não foi bem absorvido por Pedro Tupinambá que em artigo assinado em sua coluna anuncia seu desligamento da UBT. Sem alternativas, assumi a missão a mim confiada e fundei, com o aval de 23 trovadores e amigos da trova, no dia 4 de Fevereiro de 1986, a União Brasileira de Trovadores – Seção de Municipal de Belém, sendo eleito presidente e reeleito por três mandatos consecutivos até Janeiro de 1993 quando a poeta e artista plástica Cláudia Cruz assumiu a presidência cumprindo o mandato de dois anos e passando o cargo para Alonso Rocha, membro da Academia Paraense de Letras e Príncipe dos Poetas Paraenses, que comandou os destinos da nossa entidade até seu falecimento ocorrido no dia 23 de fevereiro de 2011.
Alonso Rocha, emérito sonetista e trovador talentoso, já com vários prêmios nacionais em Concursos de Trovas e Jogos Florais, a exemplo de José Coutinho de Oliveira e Pedro Tupinambá, também manteve, por um certo tempo, uma coluna no jornal “A Província do Pará” denominada “Recanto dos Trovadores” onde divulgava a trova, os trovadores do Pará e de outros estados, além de manter os concursos nacionais de trovas da UBT-Belém, realizados anualmente.
(Os dados sobre José Coutinho de Oliveira foram fornecidos por sua filha, senhora Maria Madalena de Oliveira Rebelo)
PS.: Após a morte de Alonso Rocha, a trovadora Sarah Rodrigues assumiu a presidência da UBT-Belém mas, creio que por falta de tempo, não foi dado continuidade às reuniões nem aos concursos de trovas.

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Sua Majestade, a Trova!

A Trova no Brasil
Não podemos afirmar que a trova chegou ao Brasil a bordo das caravelas de Cabral, mas que foram os portugueses que a trouxeram na bagagem no início da nossa colonização, não restam dúvidas. No início não passavam de simples repetições ou versões de quadras de além-mar. Com o correr do tempo, termos e temas tipicamente nossos foram sendo agregados às trovas e estas foram adquirindo feições próprias, não faltando composições em tupi-guarani. Mas, a exemplo do que ocorreu em todos os lugares onde floresceu, aqui a trova também esteve intimamente ligada às manifestações culturais de cunho popular, na forma de cantigas, desafios, adivinhas, etc. Desde a data do descobrimento até o início do século XX, além dos trovadores populares, muitos poetas de renome, eventualmente, a produziram. Entre estes podemos citar Gonçalves Dias, Casemiro de Abreu, Álvares de Azevedo, Castro Alves, Gregório de Matos entre outros. No início do século passado, influenciados por um movimento em torno da trova ( em Portugal é dita quadra popular ou quadrinha ), ocorrido na Universidade de Coimbra, quando estudantes compunham e cantavam trovas ao som do fado, estudantes brasileiros de Recife passaram a cultivar esse gênero com entusiasmo, sendo o “Descantes”, livro publicado em 1907, uma referência desse movimento. Entre os cinco autores do “Descantes”, todos estudantes de Direito, aparece o nome de Adelmar Tavares ( 1888 – 1963 ) que além de mais tarde ingressar na Academia Brasileira de Letras, foi eleito, em 1858, “rei dos trovadores e violeiros”. Nessa época a trova também era cultivada no sul do país por trovadores autênticos do porte de Catulo da Paixão Cearense, Belmiro Braga, Vicente de Carvalho e Martins Fontes. Com o advento da Semana de Arte Moderna de 1922 e sua ira contra os clássicos, as composições de versos fixos como a trova e o soneto foram atingidos em cheio. O que não impediu, contudo, que alguns modernistas, ainda que esporadicamente, produzissem trovas como estas, respectivamente, de Menotti Del Picchia e Mário de Andrade:
Saudade, perfume triste
de uma flor que não se vê.
Culto que ainda persiste
num crente que já não crê.
Eu peno todas as dores
com este amor que deus me deu.
Quem achou os seus amores,
a si mesmo se perdeu.
Na década de 30, em pleno domínio do Modernismo, dois trovadores autênticos continuaram produzindo trovas: Belmiro Braga, poeta mineiro de Juiz de Fora ( 1870 – 1937 ) e o pernambucano Adelmar Tavares, a quem coube a missão de conduzir o estandarte da trova até a década de 50 quando Luiz Otávio, nome literário do dentista carioca Gilson de Castro, (1916 – 1977 ) inicia campanha nacional para a publicação de uma coletânea reunindo duas mil trovas de mais de seiscentos trovadores de todo o Brasil. O resultado de todo esse trabalho veio à luz em “Meus Irmãos, os Trovadores”, lançado em 1956 com absoluto sucesso, chegando a encabeçar várias listas de livros mais vendidos, redobrando o interesse pela trova e constituindo-se num marco do mais genuíno movimento literário brasileiro. Movimento que ganhou força com a criação, dois anos mais tarde, do Grêmio Brasileiro de Trovadores – GBT, entidade presidida pelo cordelista alagoano Rodolfo Coelho Cavalcante ( 1917 - 1986 ) e que congregava, além de cordelistas e violeiros, trovadores literários. Com o fomento dos jogos florais, concursos de trovas e encontros de trovadores e violeiros a década de 60 revelou-se como a década de ouro do trovismo brasileiro, tempo em que a trova e seus cultores ganharam espaço destacado em todos os meios de comunicação da época, com programas radiofônicos, páginas e colunas em jornais de grande circulação, edição de inúmeros livros, boletins informativos, etc. Em 1966, a já desgastada convivência entre trovadores literários e trovadores populares ( cordelistas e cantadores ), chegou ao fim, resultando na fundação da União Brasileira de Trovadores – UBT, presidida por Luiz Otávio, agora congregando trovadores e amigos da trova e assumindo o comando dos concursos de trovas e jogos florais, muitos dos quais persistem até hoje.
Na década de 80, o paranaense Eno Teodoro Wanke ( 1929 – 2002 ), grande estudioso da trova e dissidente da UBT, lançou as bases do “Neotrovismo” , movimento que incentivava e coordenava a criação de “Clubes de Trovadores” em todo o Brasil, além da criação da FEBET – Federação Brasileira de Entidades Trovistas. Tal movimento, apesar do esforço do seu idealizador, não logrou o êxito almejado e hoje, após sua morte ocorrida em 2002, excetuando a permanência do Clube dos Trovadores Capixabas presidido pelo trovador Clério José Borges, praticamente desapareceu.
Atualmente, a União Brasileira de Trovadores, já sem o brilho de décadas passadas, padece do mesmo mal que atingiu todas as entidades culturais do país, reflexo de uma sociedade cada dia mais globalizada e individualista. Apesar disso, a UBT-Nacional, através de suas seções municipais e delegacias, continua realizando os concursos de trovas e jogos florais. Recentemente, com o surgimento da Internet, a trova tem dado sinais de recuperação através de Blogs, Sítios e Comunidades de trovadores, uma poderosa ferramenta dos nossos dias para a produção e divulgação desse gênero tão antigo quanto popular e cativante.
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( Do livro: A Trova no Brasil, no Pará e no Folclore)

sábado, 6 de dezembro de 2014

A Lua em Trovas

Eterna musa dos poetas, ela está sempre presente em seus versos, provocando, com seu fascínio, um impulso irresistível de expressar sentimentos profundos que vão da depressão ao êxtase.
Não conheço poeta que não haja se rendido aos seus encantos.
Não conheço poeta que, olhando para ela, consiga enxergar apenas um astro inanimado...
Não conheço poeta que não tenha com ela um caso de amor.
Quem pode explicar a magia da lua e a influência que ela exerce no estro de um poeta apaixonado?
E por que explicar? Melhor se deleitar com as joias poéticas que ela inspira.
Busquemos pois vivenciar as emoções do poeta ao compor versos primorosos, inspirados por sua musa preferida.

Muitos poetas tentaram definir a lua, ou estabelecer semelhanças com objetos do seu desejo. Senão, vejamos:
Domingos Freire Cardoso, o grande poeta português, compara a lua à mulher ideal que se deseja e não se pode ter:

A lua, eterna viajante
dos espaços siderais,
é mulher, bela e distante,
que não se alcança jamais.

Essa imagem da lua-mulher também inspirou Licínio Antônio de Andrade, de Juiz de Fora MG, nesta linda trova:

Qual bela noiva charmosa
tendo estrelas como véu,
desfila a lua garbosa
na passarela do céu.

Carlos Pinto, de Santa Luzia MG, lamentou a semelhança da mulher esquiva com a lua em sua fase mais esplendorosa:

Minha alma não mais anseia
por tuas suavidades, 
Lua branca - lua cheia - 
Lua cheia - de saudades!

Se a lua tem uma sósia humana, essa sem dúvida é a Maria Lua. Ninguém se identifica tanto com ela quanto a poetisa de Nova Friburgo RJ, que assim define sua equivalente celeste:

Senhora de mil caminhos
e das saudades secretas,
a Lua é o Sol dos sozinhos...
dos amantes... dos poetas...

Há tanta comunhão entre trova e lua, que se a lua fosse um poema com certeza seria uma trova.
SERIA? Não! Na visão do grande J. G. de Araújo Jorge, do Rio de Janeiro, a lua É uma trova:

Tudo é trova: a flor, a onda,
a nuvem que passa ao léu...
E a lua... trova redonda
que a noite canta no céu...

No aconchego dos amantes, o enlevo que os envolve irradia tanta luz que, se comparado à mudança de fases da lua, há que se acelerar o processo, porque o amor tem pressa. 
Foi o que Neide Rocha Portugal, de Bandeirantes PR, sentiu, ao se expressar nesta trova:

O rancho se faz gigante,
pois quando o amor o incendeia,
o nosso quarto, minguante,
tem clarão de lua cheia!

Para alguns, a afinidade é tanta que chegam a pensar que podem mesmo tocar a lua.
Vanda Fagundes Queiroz, de Curitiba, bem que tentou:

Olhando do meu terraço
o céu que ilumina a rua,
com enlevo um gesto eu faço,
e quase que abraço a lua!

Outros acreditam ter privilégios especiais. Puxando a brasa pra sua sardinha, Edmar Japiassú Maia, do Rio de Janeiro, vangloriou-se neste belo jogo de palavras:

Talvez porque a noite esconda
sombras de amor...é que a Lua
põe mais luz em sua ronda,
quando ronda a minha rua!

Assim como Edmar, todos os poetas têm ou tiveram a sua rua... E que criança não teve um dia a certeza de que a lua a estava seguindo, ao caminhar pela rua? Pedro Ornellas, de São Paulo, descreve essa sensação de grandeza criada pelas fantasias de menino:

Volto e vejo a mesma lua,
na mesma rua, lembrando:
eu correndo pela rua...
e a lua me acompanhando!

O papel da lua, como testemunha que, lá do alto, tudo vê é muitas vezes lembrado pelos poetas, que quase chegam a culpá-la de ser indiferente aos seus infortúnios. Campos Sales, de São Paulo, lamenta:

Ah, lua cheia, vadia,
que, noite adentro, clareia
minha vida tão vazia
mas de saudades tão cheia!

Wanda de Paula Mourthé, a Wandinha, de Belo Horizonte, tem uma queixa bem parecida:

Olho a rua... a noite avança,
tudo adormece ao luar...
Dorme até minha esperança,
que cansou de te esperar!

A mera presença da lua é o bastante para despertar em Rita Mourão, de Ribeirão Preto SP, sentimentos assim:

Quando esta lua indiscreta,
me traz lembranças sem fim
eu choro o velho poeta
que morreu dentro de mim.

O brilho da lua é de tal forma deslumbrante que, no sertão, se sobrepõe a qualquer outra fonte de luz.
Estaria ela se exibindo, envaidecida, ao roubar o brilho de um pequeno inseto luminoso?
Ademar Macedo, do RN, se não disse, ao menos sugeriu isso na trova:

A Lua tão linda e terna,
no meu sertão, por ciúme,
acende a sua lanterna
e apaga a do vaga-lume.

A lua já foi até mesmo apontada como mau exemplo por não ter luz própria, e por ninguém menos que o magnífico trovador João Freire Filho, do Rio de Janeiro:

Que importa não seja sua
a luz de que a Lua é cheia?!...
Quanta gente, igual à Lua,
só vive da luz alheia?!...

Mas imediatamente, João Freire reverte o quadro, ao fazer a ressalva:

A lua, que nos clareia,
é diferente de quem,
recebendo luz alheia,
não ilumina ninguém!

A lua distribui a luz que recebe. Assim fica resgatado seu caráter generoso. Nessa linha, Roberto Resende Vilela, de Pouso Alegre MG, destaca a generosidade da fonte da luz que a lua irradia:

Generoso, o sol se presta
de instrumento de partilha,
quando para a lua empresta
toda a luz com que ela brilha.

Assim como a lua, usada pelo Grandioso Criador como espelho para refletir a luz do sol em nosso benefício, e como um espelho d’água que reflete a lua para nosso deleite, podemos nos alegrar de ser instrumentos para o bem.  Assim se sente Pedro Ornellas:

Se ajudo alguém na tormenta
é o poder de Deus que atua
e faz que a poça barrenta
reflita o brilho da lua!

Com sua mania de humanizar a lua, o poeta chega a sugerir que ela tem algo de ruim a esconder. Hegel Pontes, de Minas Gerais, usa esse suposto lado negro, para aconselhar o filho:

Não julgues pelo semblante
A honra alheia, meu filho:
- Na lua, a face brilhante
Oculta a face sem brilho.

Mas há quem prefira se concentrar em atitudes gentís. O poeta enxerga coisas ocultas aos olhos dos meros mortais. Aurolina de Castro, do Maranhão, acredita que a lua controla com cuidado a intensidade de seus raios.
E por que faz isso? Ela explica:

O brilho da lua cheia
cai suave nos caminhos,
dando a impressão que receia
acordar os passarinhos.

E se a lua tem sentimentos, teria também bom humor? Vasques Filho, do Piauí, acha que sim:

Pelo espaço, onde flutua,
nas noites claras de estio,
a lua ri de outra lua
que faz caretas no rio.

Não há como negar a influência da lua na disposição de espírito dos humanos. A simples contemplação de sua beleza pode confortar a alma dos desvalidos, como sugere Campos Sales:

Um céu de estrelas se acende
e o menino espia a lua,
do seu berço que se estende
de ponta a ponta da rua!

Para apreciar melhor algo belo, você precisa olhar de perto, não é assim? Nem sempre!
Nei Garcez, de Curitiba, faz essa interessante observação:

O astronauta que flutua
muito tem a lamentar:
quanto mais perto da lua
mais distante do luar.

Maria Lua concorda que, em se tratando do luar, ver de longe é melhor, ao relembrar coisas boas do passado:

Da tapera, me encantava
o luar, visto à distância...
E o riacho murmurava
cantigas da minha infância!

Assim é o poeta em sua relação encantada com a lua. Poeta, cujo papel foi cantado por Humberto Del Maestro:

Poeta tem as mãos cheias,
carrega o sol, leva a lua;
arrasta mágoas alheias
e ri quando a dor é sua.

Finalmente, há imagens tão sublimes estampadas em trovas, que se comentadas fossem correr-se-ia o risco de ofuscar o seu brilho. Melhor ler e se encantar com trovas desse quilate:

Na lua existe um moinho
que leva a noite a girar,
moendo o trigo branquinho
com que Deus faz o luar!...
(Archimino Lapagesse  - Florianópolis SC)

Quando a jangada flutua
sobre as águas, ao luar,
é uma lágrima da lua
nos olhos verdes do mar.
(José Lucas de Barros – Natal RN)

Tão linda era a luz, na rua,
que um ébrio tentou bebê-la...
mas tropeçou numa lua
e caiu sobre uma estrela!
(José Ouverney – Pindamonhangaba SP)

É inverno... choveu na mata...
e a lua, deusa sem fama,
penteia as tranças de prata
pelos espelhos de lama.
(Manoel Cavalcante - Pau dos Ferros – RN)

Lembro o sertão, seu encanto,
a luz cheia, tão minha...
Sem ter nada tinha tanto
naquele nada que eu tinha!
(Campos Sales – São Paulo)

Encerrando, destaco como símbolo do encanto da lua sobre o poeta essa trova que me encanta:

Em meus sonhos de criança,
desejei pescar a lua
e pus anzóis de esperança
nas poças d’água da rua!

(Delcy Canalles – Porto Alegre RS)

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Texto do Poeta Professor Pedro Mello

Chego à presidência da UBT São Paulo graças à indicação de Domitilla Borges Beltrame e, conquanto essa trajetória, tenho recebido diversas manifestações de apoio, às quais sinceramente agradeço.

          São Paulo é uma das primeiras cidades onde o Trovismo fincou bandeira, na década de 60, ainda na época do extinto GBT (Grêmio Brasileiro de Trovadores), quando Orlando Brito e Antonieta Borges Alves (os primeiros trovadores da cidade) ajudaram a promover encontros na Av. Rangel Pestana, no Brás.

          Maria Thereza Cavalheiro foi a primeira delegada e presidente da Seção de São Paulo, de 1966 até 1976. (Neste respeito, quero agradecer e enaltecer muitíssimo o trabalho do trovador Pedro Ornellas, que resgatou em anos recentes a figura de Maria Thereza, injustamente esquecida pelo nosso movimento até então. Obrigado, Pedro, pois você prestou um serviço inestimável ao Trovismo!) Depois de Maria Thereza, a Grande Dama da Trova Paulista, vieram Izo Goldman, Thalma Tavares, Domitilla Borges Beltrame e Selma Patti Spinelli, presidentes notáveis e realizadores.

          Agora estou aqui, neste curto mandato de apenas um ano, com a missão de manter acesa a chama que meus antecessores não deixaram apagar. Tenho vontade de contribuir para tornar nossas reuniões mais acolhedoras e menos cerimoniosas, com mais rodadas de trovas entremeadas de música, organizar uma antologia dos trovadores da cidade de São Paulo, promover duas confraternizações (em julho e em dezembro) e, em nosso concurso anual, comemorar efemérides que marcam 2014.

          Não terei tempo de realizar coisas notáveis como fizeram meus antecessores, mas fico honrado em ocupar uma cadeira que já teve pessoas de tamanha envergadura. Agradeço pelo carinho dos que torcem por mim e é por isso que o Trovismo constitui um movimento apaixonante e sedutor: os amigos são verdadeiros irmãos!
 
Pedro Mello – presidente interino da UBT São Paulo

terça-feira, 16 de julho de 2013

Viagem no trem da trova

No saudosismo dos poetas, a inspiração se alimenta de coisas que o progresso tornou obsoletas, mas que conservam um toque romântico, mais pelas lembranças que evocam do que pela funcionabilidade, razão pela qual são supervalorizadas nos versos. Isso explica o fascínio pela estrada de chão, pelo carro de bois, pelo lampião de gás... e pelo trem de ferro, objeto de nossa atenção nesse tour pelos intrincados labirintos da inspiração poética.
Você é nosso convidado... Pegue seu bilhete, procure sua poltrona e aprecie a viagem!

O trem de ferro fez parte da infância de muitos poetas grisalhos. Por isso infância e trem andam de mãos dadas na fantástica trova de Cipriano Ferreira Gomes:

Pelos trilhos da distância,
no trem das minhas tristezas,
somente o vagão da Infância
tem janelinhas acesas!

Se perder o trem é uma tragédia para uns, para outros não é tão grave assim. Para Alberto Paco, nem tudo está perdido. Ele explica:

Deixa que o trem vá embora.
Não é preciso correr!
Sempre haverá outra hora
de outro trem aparecer.

Também Dáguima Verônica encontra semelhança positiva entre a corrida do trem e a corrida da vida:

Não desista ante empecilhos
que o segredo é acreditar;
quem corre a favor dos trilhos,
cedo ou tarde há de chegar!

Dorothy Jansson Moretti, num momento saudosista, lamenta a ausência do gigante de ferro:

Nunca mais o trem passou,
mas ainda lhe ouço o apito;
o silêncio eternizou
a saudade do seu grito.

Para alguns poetas o trem ganhou status de vilão, por levar embora o ser amado. Hermoclydes Siqueira Franco, descreve de forma sublime a vívida a imagem do trem se afastando:

Na distância, ao teu aceno,
quanta tristeza me invade...
O trem ficando pequeno
e em mim crescendo a saudade!

Almas gêmeas separadas, despedidas... e o trem, cumprindo seu papel de cúmplice involuntário... Às vezes ao levar a parte que parte leva tembém parte de quem fica.
Pelo menos foi como se sentiu Edmar Japiassú Maia:

Partiste e, num desatino,
teimando em partir, também,
meu coração, clandestino,
viajou no mesmo trem...

O trem chega e parte. Chegada lembra alegria, partida lembra tristeza. Tristeza marca mais do que alegria. Por isso o poeta fala mais de partida do que de chegada. O apito é simplesmente o sinal de que o trem vai partir, mas para o poeta é muito mais do que isto.
O apito machuca, conforme expressa essa trova do magnífico trovador Joao Freire Filho:

É talvez o último abraço...
vais partir... apita o trem...
e o apito cortando o espaço
corta minha alma também!

Num momento de perda, a solidariedade traz conforto, mesmo que seja apenas imaginária, como esta percebida por Pedro Ornellas:

O trem partindo... um aceno...
e ao retornar pela estrada,
vi lágrimas de sereno
nos olhos da madrugada!

A  dor da partida é amenizada pela esperança do regresso. Quando esse não se concretiza, há quem prefira iludir-se, justificando o desencontro, como faz Pedro Mello:

Na estação do meu anseio,
nos perdemos de nós dois...
- Não foi o trem que não veio:
fui eu que cheguei depois...!

Mas há quem vá mais longe, e para esconder do mundo a dor do abandono, finge o que não vê, como nessa magistral trova do grande poeta Octávio Venturelli, fechando com chave de ouro nossa breve mas intensa viagem pelo mundo poético, a bordo do trem da trova:

Na velha estação de trem,
que a solidão dominava,
eu acenei a ninguém...
fingindo que alguém chegava...

O trem não para. Outros passageiros podem embarcar e ensejar novas jornadas pelos trilhos da trova. Quem sabe novos encontros. Oxalá estejamos juntos. Espero por vocês! 
 (texto de Pedro Ornellas)